quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Testimonium Flavianum

Flávio Josefo, que viveu de 37 D.C. até o ano 100, de acordo com os textos que chegaram até nós teria se referido a Jesus como o Cristo em seu livro Antiguidades Judaicas, livro 18, parágrafos 63 e 64, escrito em 93 em grego koiné:

"Havia neste tempo Jesus, um homem sábio [, se é lícito chamá-lo de homem, porque ele foi o autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens receberem a verdade com prazer]. Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre os gentios.[Ele era o Cristo.] E quando Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz, os que o amaram no princípio não o esqueceram; [ porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia; como os divinos profetas tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a respeito dele]. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não está extinta até hoje".

(Indicado em negrito possíveis interpolações).

O texto original em grego koiné:

Γίνεται δὲ κατὰ τοῦτον τὸν χρόνον Ἰησοῦς σοφὸς ἀνήρ, εἴγε ἄνδρα αὐτὸν λέγειν χρή: ἦν γὰρ παραδόξων ἔργων ποιητής, διδάσκαλος ἀνθρώπων τῶν ἡδονῇ τἀληθῆ δεχομένων, καὶ πολλοὺς μὲν Ἰουδαίους, πολλοὺς δὲ καὶ τοῦ Ἑλληνικοῦ ἐπηγάγετο: ὁ χριστὸς οὗτος ἦν. καὶ αὐτὸν ἐνδείξει τῶν πρώτων ἀνδρῶν παρ᾽ ἡμῖν σταυρῷ ἐπιτετιμηκότος Πιλάτου οὐκ ἐπαύσαντο οἱ τὸ πρῶτον ἀγαπήσαντες: ἐφάνη γὰρ αὐτοῖς τρίτην ἔχων ἡμέραν πάλιν ζῶν τῶν θείων προφητῶν ταῦτά τε καὶ ἄλλα μυρία περὶ αὐτοῦ θαυμάσια εἰρηκότων. εἰς ἔτι τε νῦν τῶν Χριστιανῶν ἀπὸ τοῦδε ὠνομασμένον οὐκ ἐπέλιπε τὸ φῦλον.

Argumentos contra a autenticidade do texto
Nenhum autor faz alusão ao texto antes de Eusébio de Cesareia, (século IV), quando os escritos de Josefo vieram à luz através de fontes cristãs.

Muitos historiadores modernos tem argumentado que a passagem quebra a continuidade da narrativa e que são usadas palavras incomuns nos textos de Josefo, por exemplo Emilio Bossi escreve o seguinte:

"Esta passagem, ou período, está como que a esmo, em meio de um capítulo, sem conexão alguma com quanto a precede ou se lhe segue, alinhavada, por assim dizer, na descrição de um castigo militar infligido à populaça de Jerusalém e a dos amores de uma dama romana e de um homem que obtém os seus favores, fazendo-se passar, graças aos sacerdotes de Isis, por uma personificação do Deus Anúbis. Estes dois acontecimentos estão ligados pelo mesmo historiador um com outro, porque ao relatar o segundo chama-o outro acidente deplorável, de onde se depreende que esse outro acidente só pode relacionar-se com o primeiro, isto é, com a sedição popular e a repressão que se lhe seguiu".

A passagem também foi encontrada em um manuscrito da obra anterior de Josefo: A Guerra dos Judeus, contudo é óbvio que se trata de uma falsificação.

Argumentos a favor da autenticidade do texto

O Testimonium Flavianum foi um texto muito respeitado até o meados do século XVII, depois disso houve muita discussão se ele seria ou não uma interpolação. Entretanto, a descoberta de novos manuscritos no século XX, tem reforçado a credibilidade do texto.

Alice Whealey, por exemplo, apresentou um manuscrito do século V que contém uma variante: "Ele era tido com sendo o Cristo" (onde, nos outros manuscritos, está "Ele era o Cristo").
A real dificuldade em se acreditar no texto reside na sua afirmação de que Jesus era o Cristo (ὁ χριστὸς οὗτος ἦν), já que Josefo era judeu e esta afirmação parece fazer de Josefo um cristão. Entretanto, após participar na rebelião contra os romanos e ver sua nação praticamente destruída talvez, apenas no momento que escrevia, ele considerava a possibilidade de Jesus ser de fato o Cristo. Quando ele escreve sobre João Batista, descreve o modo de pensar dos judeus da época sobre derrotas militares e suas causas (ver abaixo a secção João Batista).

Foi sugerido que o paragrafo quebra a continuidade da narrativa, mas isto pode ser explicado pelo fato de Antiguidades Judaicas ter sido escrito por numerosos escribas.
Contestações baseadas em análise lingüística também não se mostraram conclusivas porque muitas outras passagens de Josefo contém características incomuns.

Versão árabe

Em 1971, o professor Shlomo Pines publicou uma tradução de um versão diferente desta passagem, citando um manuscrito árabe do século X. Este manuscrito aparece no "Livro dos Títulos" escrito por Agapius, um cristão árabe do século X e bispo melquita de Hierápolis. Agapius parece ter citado de memória, pois até o título de Josefo é uma aproximação:

"Havia neste tempo um homem sábio chamado Jesus, e sua conduta era boa, e ele era conhecido como sendo virtuoso. E muitas pessoas entre os judeus e de outras nações se tornaram seus discípulos. Pilatus o condenou a ser crucificado e à morte. E aqueles que tinham se tornado seus discípulos não abandonaram sua lealdade a ele. Eles relataram que ele tinha aparecido para eles três dias após a crucificação, e que ele estava vivo. Eles acreditavam que ele era o Messias, a respeito de quem os profetas tinham contado maravilhas."

Pines faz referência também à versão siríaca citada por Miguel, o Sírio em seu Crônica Mundial. Alice Whealey apontou que o texto de Miguel é idêntico ao de Jerônimo no ponto mais contencioso ("Ele era o Cristo" aparecendo como "Ele era tido como sendo o Cristo"), estabelecendo a existência de uma variante, já que escritores Latinos e Siríacos não liam uns aos outros na Antiguidade.

Versão paleoeslava

Uma outra e interessante versão do "Testimonium" foi encontrada em cinco fragmentos da "Guerra Judaica", numa tradução para o Paleoeslavo, que remonta aos séculos XI-XII. Ainda que se trate, evidentemente, de uma interpolação, posto que inexistente no original grego da obra, não deixa de ser muito curioso o modo como o autor se vale de passos evangélicos para compor uma história da prisão e condenação de Jesus absolutamente inédita. Eis o texto:

"Apareceu então um homem, se é que podemos chamar-lhe homem. A sua natureza e as atitudes exteriores eram humanas, mas a sua aparência e as suas obras eram divinas. Os milagres que realizava eram grandes e surpreendentes. Uns diziam dele 'É o nosso primeiro legislador que ressuscitou dos mortos e dá provas de suas capacidades, operando muitas curas´. Outros julgavam-no enviado por Deus. Opunha-se em muitas coisas à Lei e não observava o sábado, segundo o costume dos antepassados; todavia, não fazia nada de impuro, nem nenhum trabalho manual, dispondo apenas da palavra. Muitos entre a multidão o seguiam e escutavam seus ensinamentos; os espíritos de muitos se agitavam pensando que, graças a ele, as tribos de Israel se libertariam do jugo romano. Costumava estar, de preferência, em frente da cidade, no monte das Oliveiras. Vendo a sua força e que, com as palavras, fazia tudo o que queria, pediram-lhe para entrar na cidade, massacrar as tropas romanas e Pilatos, e passar a governá-los. Mas ele não lhes dava ouvidos. Mais tarde, os chefes dos hebreus vieram a saber de tudo aquilo, reuniram-se com o Grande Sacerdote e disseram: ´ Somos impotentes e fracos para resistirmos aos romanos, como um arco frouxo. Vamos dizer a Pilatos o que ouvimos e não teremos aborrecimentos´. E foram falar dele a Pilatos. Este enviou homens, mandou matar muitos entre a multidão e prendeu o doutor de milagres. Informou-se melhor sobre ele e vendo que fazia o bem, e não o mal, que não era rico, nem ávido de poder real, libertou-o; de fato, tinha curado a sua mulher, que estava moribunda. E regressado ao local habitual, retomou o cumprimento de suas obras, e novamente um número maior de pessoas se aglomerou em torno dele. Os doutores da Lei, feridos pela inveja, deram trinta talentos a Pilatos, para que o mandasse matar. Este aceitou-os e deu-lhes autoridade para serem eles próprios a fazer o que desejavam. Desse modo, apossaram-se dele e o crucificaram, apesar da lei dos antepassados."

Outros textos de Josefo sobre Jesus e João Batista

Tiago, irmão de Jesus
Menos polêmica do que o Testimonium é esta passagem em que Flávio Josefo também cita Jesus, mas sem parecer crer nele como o Messias. Ela aparece já no final das Antiguidades Judaicas, quando Josefo descreveu a situação política da Judeia na década de 60.

"E agora César, tendo ouvido sobre a morte de Festus, enviou Albinus à Judeia, como procurador. Mas o rei privou José do sumo sacerdócio, e outorgou a sucessão desta dignidade ao filho de Ananus [ou Ananias], que também se chamava Ananus. Agora as notícias dizem que este Ananus mais velho provou ser um homem afortunado; porque ele tinha cinco filhos que tinham todos atuado como sumo sacerdote de Deus, e que tinha ele mesmo tido esta dignidade por muito tempo antes, o que nunca tinha acontecido com nenhum outro dos nossos sumos sacerdotes. Mas este Ananus mais jovem, que, como já dissemos, assumiu o sumo sacerdócio, era um homem temperamental e muito insolente; ele era também da seita dos Saduceus, que são muito rígidos ao julgar ofensores, mais do que todos os outros judeus, como já tinhamos dito anteriormente; quando, portanto, Ananus supôs que tinha agora uma boa oportunidade: Festus estava morto, e Albinus estava viajando; assim ele reuniu o sinédrio dos juízes, e trouxe diante dele o irmão de Jesus, o que era chamado Cristo, cujo nome era Tiago e alguns outros; e quando ele formalizou uma acusação contra eles como infratores da lei; ele os entregou para serem apedrejados; mas para aqueles que pareciam ser os mais equânimes entre os cidadãos, e igualmente mais precisos quanto as leis, eles não gostaram do que foi feito; eles também enviaram ao rei (Herodes Agripa II); pedindo que ele ordenasse a Ananus que não agisse assim novamente, porque isto que ele tinha feito não se justificava; alguns deles foram também ao encontro de Albinus, que estava na estrada retornando de Alexandria, e informaram a ele que era ilegal para Ananus reunir o sinédrio sem o seu consentimento. Albinus concordou com eles e escreveu iradamente a Ananus, e o ameaçou dizendo que ele seria punido pelo que havia feito; por causa disso, o rei Agripa tirou o sumo sacerdócio dele, quando ele o tinha exercido por apenas três meses, e fez Jesus, filho de Damneus, sumo sacerdote."

João Batista

Ainda no livro 18 do Antiguidades Judaicas, Josefo descreveu o reinado de Herodes Antipas e informou que este era casado com a filha de Aretas, um rei árabe vizinho com quem já tivera disputas territoriais. Antipas repudia a filha de Aretas para se casar com Herodias, mulher de seu meio-irmão. Valendo-se do pretexto, Aretas faz guerra a Herodes que tem seu exército destruído e a derrota seria certa se não fosse a intervenção romana.

"Mas para alguns judeus a destruição do exército de Herodes pareceu ser vingança divina, e certamente uma justa vingança, pelo tratamento dado a João, de sobrenome Batista. Porque Herodes o tinha condenado à morte, mesmo ele tendo sido um homem bom e tendo exortado os judeus a levar uma vida correta, praticar a justiça para com o próximo e a viver piamente diante de Deus, e fazendo isto se batizar.[...] Quando outros também se juntaram à multidão em torno dele, pelo fato de que eles eram agitados ao máximo pelos seus sermões, Herodes ficou alarmado. Eloqüência com tão grande efeito sobre os homens pode levar a alguma forma de sedição. Porque dava a impressão de que eles eram liderados por João em tudo que faziam. Herodes decidiu então que seria melhor atacar antes.[...] De qualquer forma João, por causa da suspeita de Herodes, foi trazido acorrentado à Machaerus, a fortaleza de que falamos antes, e lá executado, contudo o veredito dos Judeus era de que a destruição que visitou o exército de Herodes era vingança de João, que Deus achou por bem infligir este castigo à Herodes”.

Bibliografia
Flávio Josefo, Seleções de Flávio Josefo, Editora das Américas, 1974, tradução de P. Vicente Pedroso.
Maria Antónia Costa Pereira - REVISTA LUSÓFONA DE CIÊNCIA DAS RELIGIÕES – Ano III, 2004 / n.º 5/6 – 191-199
James Carleton Paget, Some Observations on Josephus and Christianity, Journal of Theological Studies 52.2 (2001) pp. 539–624. Uma resenha sobre todas as teorias relativas, estudiosos e evidências.
Shlomo Pines, An Arabic Version of the Testimonium Flavianum and its Implications, (Jerusalém: Israel Academy of Sciences and Humanities, 1971)
Alice Whealey, Josephus on Jesus: The Testimonium Flavianum Controversy from Late Antiquity to Modern Times, Peter Lang Publishing (2003). Como o TF tem sido visto por séculos.
Ambrogio Donini, "História do Cristianismo", Lisboa, Edições 70, s/d
Fonte: Wikipédia

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Em busca do Cristo histórico

A Igreja serviu-se de farta documentação, com intenção de provar a existência de Cristo. No entanto, a história ignora-o completamente. Quanto aos autores profanos que pretensamente teriam escrito a seu respeito, foram nesta parte falsificados. Por outro lado, documentos históricos demonstram sua inexistência. As provas históricas merecem nosso crédito, porque pertencem à categoria dos fatos certos e positivos, e constituem testemunhos concretos e válidos de escritores de determinadas escolas.

A interpretação da Bíblia e da mitologia comparada não resiste a uma confrontação com a história. Flávio Josefo, Justo de Tiberíades, Filon de Alexandria, Tácito, Suetônio e Plínio, o Jovem, teriam feito em seus escritos, referências a Jesus Cristo. Todavia, tais escritos após serem submetidos a exames grafotécnicos, revelaram-se adulterados no todo ou em parte, para não se falar dos que foram totalmente destruídos. Além disso, as referências feitas a Crestus, Cristo ou Jesus, não são feitas exatamente a respeito do Cristo dos Cristãos.

Seria mesmo difícil estabelecer qual o Cristo seguido pelos cristãos, visto que esse era um nome comum na Galiléia e Judéia. Segundo Tácito, judeus e egípcios foram expulsos de Roma por formarem uma só e mística superstição cristã. As expulsões ocorreram duas vezes no tempo de Augusto e a terceira vez no governo de Tibério, no ano 19 desta era. Tais expulsões desmentem a existência de Jesus, porquanto, ocorreram quando ainda o nome de cristão aplicava-se a superstição judaico-egípcia, a qual se confundiu com o cristianismo.

Filon de Alexandria, apesar de ter contribuído poderosamente para a formação do cristianismo, seu testemunho é totalmente contrário à existência de Cristo. Filon havia escrito um tratado sobre o Bom Deus “Serapis”, tratado este que foi destruído. Os evangelhos cristãos se assemelham muito a ele, e os falsificadores não hesitaram em atribuir as referências como sendo feitas a Cristo.

Os historiadores mostram que essa religião nasceu em Alexandria, e não em Roma ou Jerusalém. Fazem ver que ela nasceu das idéias de Filon que, platonizando e helenizando o judaísmo, escreveu boa parte do Apocalipse. A mesma transformação que o cristianismo dera ao judaísmo ao introduzir-lhe o paganismo e a idolatria, Filon imprimira nessa crença, até então apenas terapeuta, dando-lhe feição grega, de cunho platônico. Embora tenha sido de certo modo o precursor do cristianismo, não deixou a menor prova de ter tomado conhecimento da existência de Jesus Cristo, o mago rabi, e isto é lógico porque o cristianismo só iria ser elaborado muito depois de sua morte. Bastaria o silêncio de Filon para provar estarmos diante de uma nova criação mitológica, de cunho metafísico. Entretanto, escrevendo como cristão, os lançadores do cristianismo louvaram-se nas suas idéias e escritos.

Tivesse Jesus realmente existido, jamais Filon deixaria de falar em seu nome, descreveria certamente sua vida miraculosa. Filon relata os principais acontecimentos de seu tempo, do judaísmo e de outras crenças, não mencionando, porém, nada sobre Jesus. Cita Pôncio Pilatos e sua atuação como Procurador da Judéia, mas não se refere ao julgamento de Jesus a que ele teria presidido. Fala igualmente dos essênios e de sua doutrina comuna dizendo tratar-se de uma seita judia, com mosteiro à margem do Jordão, perto de Jerusalém. Quando no reinado de Calígula esteve em Roma defendendo os judeus, relata diversos acontecimentos da Palestina, mas não menciona nada a respeito de Jesus, seus feitos ou sua sorte e destino.

Filon, que foi um dos judeus mais ilustres de seu tempo, e sempre esteve em dia com os acontecimentos, jamais omitiria qualquer notícia acerca de Jesus, cuja existência, se fosse verdadeira, teria abalado o mundo de então. Impossível admitir-se tal hipótese, portanto. Por isso é que M. Dide fez ver que, diante do silêncio de homens extraordinários como Filon, os acontecimentos narrados pelos evangelistas não passam de pura fantasia religiosa. Seu silêncio é a sentença de morte da existência de Jesus. O mesmo silêncio se estende aos apóstolos, assinala Emílio Bossi. Evidencia que tudo quanto está contido nos Evangelhos refere-se a personalidades irreais, ideais, sobrenaturais de inexistentes taumaturgos.

O silêncio de Filon e de outros se estende não apenas a Jesus, mas também aos seus pretensos apóstolos, a José, a Maria, seus filhos e toda a sua família. Flávio Josefo, tendo nascido no ano 37, e escrevendo até 93 sobre judaísmo, cristianismo terapeuta, messias e Cristos, nada disse a respeito de Jesus Cristo. Justo de Tiberíades, igualmente não fala em Jesus Cristo, conquanto houvesse escrito uma história dos judeus, indo de Moisés ao ano 50. Ernest Renan, em sua obra “Vie de Jesus”, apesar de ter tentado biografar Jesus, reconhece o pesado silêncio que fizeram cair sobre o pretenso herói do cristianismo. Os Gregos, os romanos e os hindus dos séculos I e II jamais ouviram falar na existência física de Jesus Cristo.

Nenhum dos historiadores ou escritores, judeus ou romanos, os quais viveram ao tempo em que pretensamente teria vivido Jesus, ocupou-se dele expressamente. Nenhum dedicou-lhe atenção. Todos foram omissos quanto a qualquer movimento religioso ocorrido na Judéia, chefiado por Jesus. A história não só contesta a tudo o que vem nos Evangelhos, como prova que os documentos em que a Igreja se baseou para formar o cristianismo foram todos inventados ou falsificados no todo ou parte, para esse fim.

A Igreja sempre dispôs de uma equipe de falsários, os quais dedicaram-se afanosamente a adulterar e falsificar os documentos antigos com o fim de pô-los de acordo com os seus cânones. O piedoso e culto bispo de Cesaréia, Eusébio, como muitos outros tonsurados, receberam ordens papais para realizar modificações em importantes papéis da época, adulterando-os e emendando-os segundo suas conveniências. Graças a esses criminosos arranjos, a Igreja terminaria autenticando impunemente sua novela religiosa sobre Jesus Cristo, sua família, seus discípulos e o seu tempo. 

Conan Doyle imortalizou o seu personagem, Sherlock Holmes, assim como Goethe ao seu Werther. Deram-lhes vida e movimento como se fossem pessoas reais, de carne e ossos. Muitos outros escritores imortalizaram-se também através de suas obras, contudo, sempre ficou patente serem elas pura ficção, sem qualquer elo que as ligue com a vida real. Produzem um trabalho honesto e honrado aqueles que assim procedem, ao contrário daqueles que deturpam os trabalhos assinados por eminentes escritores, com o objetivo premeditado de iludir a boa fé do próximo. E procedimento que, além de criminoso, revela a incapacidade intelectual daqueles que precisam se valer de tais meios para alcançar seus escusos objetivos.

As controversas de Paulo



As supostas contradições entre os ensinamentos de Cristo e de Paulo

Sobre A obediência ao Estado

O que Cristo teria dito: “Cuidarei e protegerei o fraco e aqueles que são oprimidos e todas as criaturas que sofrem injustiça.” Evangelho dos 12 Santos, Ensinamento 46:18*

O que Paulo disse: “Cada um se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Ele.” Epístola aos Romanos, 13:1-3.

Sobre a escravidão

O que Cristo teria dito: “Protegereis o fraco (...) Deus mandou-me ajudar os quebrantados, para proclamar a liberdade dos cativos.” Evangelho dos 12 Santos, Ensinamento 13:2

O que Paulo disse: “Servos, obedecei, com temor e tremor, em simplicidade de coração, a vossos senhores nesta vida, como a Cristo; servindo-os, não quando vigiados, para agradar a homens, mas como servos de Cristo, que põem a alma em atender à vontade de Deus.” Epístola aos Efésios, 6:5-6.

Sobre a submissão feminina

O que Cristo teria dito: “Em Deus, o masculino não é sem o feminino, nem o feminino sem o masculino (...) Deus criou a espécie humana na divina imagem macho e fêmea (...) Assim, devem os nomes do Pai e da Mãe ser igualmente reverenciados.” Evangelho dos 12 Santos, Ensinamento 52:10

O que Paulo disse: “Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres o sejam a seus maridos, como ao Senhor, porque o homem é cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja e o salvador do Corpo.” Epístola aos Efésios, 5:21-23

Sobre a doutrina da salvação

O que Cristo teria dito: “Mas eis que um maior que Moisés está aqui, e Ele vos darão a mais alta Lei, ainda a perfeita Lei, e esta Lei obedecerás. (...) Aqueles que acreditam e obedecem salvarão suas almas, e aqueles que não obedecem as perderão. Pois digo a vós, a não ser que vossa justiça sobrepuje a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino do Céu.” Evangelho dos 12 Santos, Ensinamento 25:10

O que Paulo disse: “Se com tua boca confessares Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”. Epístola aos Romanos, 10:9

* O Evangelho dos 12 Santos é um texto apócrifo do início do cristianismo, supostamente escrito pelos 12 apóstolos. Ele não é reconhecido pela Igreja.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A maior farsa de todos os tempos

As contradições sobre Jesus Cristo
Como tudo o mais que se refere à existência de Jesus na terra, também a sua ascendência é objeto de controvérsias. Segundo Mateus e Lucas, Jesus descende ao mesmo tempo de David e do Espírito Santo. Entretanto, como filho do Espírito Santo, não poderá descender de José, conseqüentemente deixa de ser descendente de David e o Messias esperado pelos judeus. Assim, Jesus ficará sendo apenas Filho de Deus, ou Deus, visto ser uma das três pessoas da trindade divina.

Em ambos os evangelhos acima citados há referências quanto à data de nascimento de Jesus, mas tais referências são contraditórias — o Jesus descrito por Mateus teria onze anos quando nasceu o de Lucas. Mateus diz que José e Maria fugiram apressadamente de Belém, sem passar por Jerusalém, indo direto para o Egito, após a adoração dos Reis Magos. Herodes iria mandar matar as criancinhas. Todavia, Lucas diz que o casal estivera em Jerusalém e acrescenta a narração da cena de que participaram Ana e Simeão. De modo que um evangelista desmente o outro.

Lucas não alude à matança das criancinhas, nem à fuga para o Egito. Por outro lado, Marcos e João não se reportam à infância de Jesus, passando a narrar os acontecimentos de sua vida a partir do seu batismo por João Batista. Mateus que conta o regresso de Jesus, vindo do Egito e indo para Nazaré, o deixa no esquecimento, voltando a ocupar-se dele somente depois dos seus trinta anos, quando ele procura João Batista. Diz ainda que João já o conhecia e, por isto, não o queria batizar, por ser um espírito superior ao seu.

Lucas narra a discussão de Jesus com os doutores da lei, aos doze anos de idade. Sendo perguntado pela mãe sobre o que estava ali fazendo, teria respondido que se ocupava com os assuntos do pai.

Emilio Bossi, referindo-se a esta passagem, estranha a atividade da mãe. Se o filho nascera milagrosamente, e ela não o ignora, só poderia esperar dele uma seqüência de atos milagrosos. Mesmo a sua presença no templo, entre os doutores, não deveria causar preocupação à sua mãe, visto saber ela que o filho não era uma criança qualquer, e sim um Deus. Lucas diz que os samaritanos não deram boa acolhida a Jesus, o que muito irritara a João. Contudo, João, o Evangelista, diz que os samaritanos deram-lhe ótima acolhida e, inclusive, chamaram-no de salvador do mundo.

Os evangelistas divergem também quanto ao relato da instituição da eucaristia. Três deles afirmam que Jesus a instituiu no dia da Páscoa, enquanto João afirma que foi antes. Enquanto os três descrevem como aconteceu, João silencia. Na última noite Jesus estava muito triste, como, aliás, permaneceria até a morte. Pondo o rosto em terra, orou durante muito tempo. Segundo os evangelistas, ele estava de tal modo triste e conturbado que teria suado sangue, coisa, aliás, muito estranha, nunca verificada cientificamente.

Enquanto isto, seus companheiros dormiam despreocupadamente, não se incomodando com os sofrimentos do Mestre. Entretanto João não fala sobre esse estado de alma do Mestre. Pelo contrário, diz que Jesus passara a noite conversando, quando se mostrava entusiasta de sua causa e completamente tranqüilo.
Lucas, Mateus e Marcos afirmam que o beijo de Judas o denunciara aos que vieram prendê-lo. Todavia, João diz que foi o próprio Jesus quem se dirigiu aos soldados dizendo-lhes tranqüilamente: “Sou eu”. Lucas é o único que fala no episódio da ida de Jesus de Pilatos para Herodes Antipas. Os outros caem em contradição quanto à hora do julgamento pelo Conselho dos Sacerdotes em presença do povo. João não fala a respeito do depoimento de Cireneu, nem na beberagem que teriam dado a Jesus. Omitem-se ainda quanto à discussão dos dois ladrões, crucificados com Jesus, e quanto à inscrição posta sobre a cruz. De forma que seu relato é bastante diferente daquilo que os outros contaram.

E as divergências continuam ainda no que concerne ao quebramento das pernas, ao embalsamamento, à natureza do sepulcro e ao tempo exato em que ele esteve enterrado. Quanto ao embalsamamento, por exemplo, há muita coisa que não foi dita. Teriam retirado seu cérebro e intestinos como se procede normalmente nesses casos? Se a resposta for positiva, como explicar o fato de Jesus, após a ressurreição, pedir comida? Como se vê, as verdades bíblicas são além de controvertidas, incompreensíveis.

Lucas diz que Jesus referiu-se aos que sofrem de fome e sede, enquanto Mateus diz que ele se referia aos que têm fome e sede de justiça, aos pobres de espírito. Uns afirmam que Jesus tratara os publicanos com desprezo e ódio, outros dizem que ele se mostrou amigável em relação a eles. Para uns, Jesus teria dito que publicassem as boas obras, para outros, que nada dissessem a respeito.

Uma hora Jesus aconselha o uso da força física e da resistência, mandando até que comprassem espada; noutra, ameaça os que pretendem usar a força. Marcos, Mateus e Lucas dizem que Jesus recomendara o sacrifício. Entretanto, não tomou parte em nenhum deles. Mateus diz que Jesus afirmou não ter vindo para abolir a lei nem os profetas, enquanto Lucas diz que ele afirmara que isso já estava no passado, já tivera o seu tempo. Os três afirmam ainda que Jesus apenas pregara na Galiléia, tendo ido raramente a Jerusalém, onde era praticamente desconhecido. Todavia, João diz que ele ia constantemente a Jerusalém, onde realizara os principais atos de sua vida.

As coisas ficam de modo que não se sabe quem disse a verdade, ou, melhor dizendo, não sabemos quem mais mentiu. Ora, se Jesus tivesse realmente praticado os principais atos de sua vida em Jerusalém, seria conhecido suficientemente e, então, não teriam que pagar a Judas 30 dinheiros para entregar o Mestre. João, que teria sido o precursor do Messias, não se fez cristão, não seguiu a Jesus, pregando apenas o judaísmo no aspecto próprio. Entretanto, depois de preso, enviou um mensageiro a Jesus, indagando-lhe: “És tu que hás de vir, ou teremos de esperar outro?”, ao que Jesus teria respondido: “Você é o profeta Elias”. Talvez houvesse esquecido que o próprio João antes já declarara isso mesmo. Contam os Evangelhos que, desde a hora sexta até Jesus exalar o último suspiro, a terra cobriu-se de trevas. Contudo, nenhum escritor da época comenta tal acontecimento. Marcos 25:25 diz que Jesus foi sacrificado às 9 horas.

João diz que ao meio dia ele ainda não havia sido condenado à morte, e acrescenta que, a esta hora, Pilatos o teria apresentado ao povo exclamando: “Eis aqui o vosso rei”! Emilio Bossi assinala detalhadamente todas estas contradições, e as que se deram após a pretensa ressurreição, dizendo que nada do que vem nos Evangelhos deve ser levado a sério. O sobrenatural é o clima em que se encontra a Bíblia, e esta é apenas o resultado da combinação de crenças e superstições religiosas dos judeus com as de outros povos com os quais conviveram.
Por Lealcy B. Junior

O homem que inventou Cristo


O homem que inventou Cristo para conquistar fiéis, ele fez concessões que desagradaram aos discípulos de Jesus – e ainda despertam acirradas discussões entre pensadores e religiosos.

O mundo cristão não seria o mesmo sem a mensagem que São Paulo transmitiu ao Império Romano. Para conquistar fiéis, ele fez concessões que desagradaram aos discípulos de Jesus – e ainda despertam acirradas discussões entre pensadores e religiosos. Afinal, Paulo espalhou ou deturpou a palavra de Cristo?

Estamos no ano 34 da era cristã. Passaram-se poucos anos desde a crucificação de Jesus. Sua mensagem espalhou-se rapidamente por toda a Palestina e seus discípulos eram implacavelmente perseguidos, principalmente pelos judeus. Os seguidores de Jesus são acusados de heresia e traição à Lei de Moisés. Em Jerusalém, um jovem judeu chamado Saulo faz verdadeiras atrocidades com os cristãos.

Persegue-os furiosamente, invade suas casas e os manda para prisão. Informado de que, a cada dia, cresce a comunidade cristã em Damasco, na Síria, pede e obtém do Sinédrio, o Supremo Tribunal da comunidade judaica de Jerusalém, cartas de recomendação aos rabinos daquela cidade, autorizando-os a caçar os hereges cristãos. Acompanhado de alguns homens, percorre a cavalo os cerca de 200 quilômetros até Damasco. Depois de sete dias de viagem, sob um sol escaldante, consegue finalmente avistar as muralhas da cidade.

Mas, de repente, uma forte luz vinda do céu incide sobre ele e assusta seu cavalo, que o joga no chão. Naquele instante, o jovem judeu ouve uma voz que diz: “Saulo, Saulo, por que me persegues"?

Atônito, ele indaga: “Quem és Senhor?” A voz responde: “Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te, entra na cidade e te dirão o que deves fazer”.

O séquito de Saulo permanece mudo de espanto, sem entender de onde vem aquela voz. Saulo, por sua vez, ergue-se do chão, mas não consegue enxergar nada. Em Damasco, permanece três dias e três noites em jejum, refletindo sobre o estranho acontecimento, até ser visitado por Ananias, um discípulo de Cristo, que lhe diz: “Saulo, meu irmão, o Senhor me enviou. O mesmo que te apareceu no caminho por onde vinhas. É para que recuperes a vista e fiques repleto do Espírito Santo”.


Nesse exato momento, duas escamas caem dos olhos de Saulo, que volta a ver. Em seguida, ele é batizado. Convertido, Saulo de Tarso tornou-se aquele que talvez tenha sido o mais importante difusor da palavra de Jesus: São Paulo.

O episódio acima, narrado em detalhes no livro Atos dos Apóstolos, do Novo Testamento, teria marcado radicalmente a vida de Paulo. Não é possível provar que ele tenha de fato acontecido. Os textos bíblicos são as únicas fontes disponíveis para se reconstituir a história do santo – acreditar neles é uma questão de fé. Tenha ocorrido de forma tão espetacular ou não, a conversão de Paulo mudou para sempre os rumos da religião cristã. Para muitos teólogos, Paulo foi um personagem fundamental nos primeiros anos do cristianismo.

Seu trabalho de evangelização foi, em grande parte, responsável pelo caráter universal da doutrina cristã e sua mensagem, expressa em cartas enviadas às comunidades que fundava, ainda hoje é considerada o alicerce da jurisprudência, da moral e da filosofia modernas do Ocidente. Enquanto a maioria dos apóstolos que conviveram com Jesus restringiram sua pregação à Palestina, Paulo levou a palavra de Cristo para lugares distantes, como a Grécia e Roma. Sua importância na construção da Igreja primitiva é tão grande que muitos estudiosos atribuem a ele o título de pai do cristianismo.

“Paulo desempenhou um papel maior na evangelização dos primeiros cristãos”, diz o biblista Jerome Murphy-O’Connor, professor da Escola Bíblica e Arqueológica de Jerusalém e um dos maiores estudiosos do santo. O historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em cristianismo e judaísmo antigos, concorda: “O cristianismo, tal como existe hoje, deve muito a Paulo. Se não fosse o apóstolo, ele provavelmente não teria passado de mais uma seita judaica”.

Isso não quer dizer que o trabalho dos 12 apóstolos tenha sido irrelevante, mas eles pregaram numa região, a Palestina, que viria a ser devastada pelos romanos entre os anos 66 e 70. “Sem dúvida, Paulo foi o apóstolo que teve maior repercussão com o passar dos séculos”, afirma o teólogo Pedro Lima Vasconcellos, professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.

O termo apóstolo, no sentido de evangelizador, é freqüentemente usado para se referir a São Paulo. Não há evidências históricas, entretanto, de que ele tenha conhecido Jesus Cristo.

A influência de Paulo é indiscutível. Mas, para uma corrente de historiadores e teólogos, ele deturpou os ensinamentos de Jesus Cristo – a ponto de a mensagem cristã que sobreviveu ao longo dos séculos ter origem não em Cristo, mas em Paulo. Esses pensadores julgam ser mais correto dizer que o que existe hoje é um “paulinismo”, não um cristianismo.

“As cartas de São Paulo são uma fraude nos ensinamentos de Cristo. São comentários pessoais à parte da experiência pessoal de Cristo”, afirmou o líder pacifista indiano Mahatma Ghandi, em 1928. Opinião semelhante tem o prêmio Nobel da Paz de 1952, o alemão Albert Schweitzer, que declarou: “Paulo nos mostra com que completa indiferença à vida terrena de Jesus foi tomada”.

As principais críticas da corrente antipaulina concentram-se em pontos polêmicos das cartas do apóstolo. Nelas, entre outras coisas, Paulo defende a obediência dos cristãos ao opressivo Império Romano, bem como o pagamento de impostos, faz apologia da escravidão, legitima a submissão feminina e esboça uma doutrina da salvação distinta daquela que, segundo teólogos antipaulinos, teria sido defendida por Jesus.

“A mentira que foi Paulo tem durado tanto tempo à base da violência. Sua conversão foi uma farsa”, afirma Fernando Travi, fundador e líder da Igreja Essênia Brasileira. Os essênios eram uma das correntes do judaísmo há dois mil anos, convertidos na primeira hora ao cristianismo. “Ele criou uma religião híbrida. A prova disso é o mundo que nos cerca. Um mundo cheio de guerra, de sofrimentos e de desespero.”

Paulo: Judeu, grego e romano.

Para entender melhor o papel de São Paulo na origem e construção do cristianismo é preciso voltar no tempo e acompanhar de perto sua vida. O principal relato sobre ele está presente nos Atos dos Apóstolos, livro escrito pelo evangelista Lucas, que foi também dos maiores discípulos de Paulo. Seus relatos, no entanto, não são considerados um retrato fiel dos acontecimentos.

“Os Atos devem ter sido escritos cerca de 20 a 30 anos após a morte de Paulo, quando ele já poderia estar caindo no esquecimento. Lucas, então, expressa uma visão romanceada do apóstolo, transformando-o em um herói ou, mais do que isso, em um modelo de discípulo”, afirma José Bortolini, padre da Congregação Pia Sociedade de São Paulo, mestre em exegese bíblica e autor do livro Introdução a Paulo e suas Cartas. Outra fonte de informação sobre o apóstolo são as cartas (ou epístolas) escritas por ele para as comunidades cristãs que tinha fundado.

Com base nessas duas fontes, sabemos que Paulo era um judeu detentor de cidadania romana, criado em um ambiente culturalmente grego.

Ele nasceu em Tarso, na Ásia Menor, onde atualmente está a Turquia. Era uma cidade grande, com mais de 200 mil habitantes, por onde passava uma estrada que ligava a Europa à Ásia. Situada na província romana da Cilícia, a Tarso de então era predominantemente grega – um dos mais efervescentes centros de cultura do mundo helênico, chegando a rivalizar com Atenas. Mas também era cosmopolita. Abrigava um porto fluvial movimentado e se impunha como um importante pólo comercial. Suas ruas estreitas viviam apinhadas de gente e suas casas abrigavam povos de várias regiões: egípcios, bretões, gauleses, núbios e sírios – além dos judeus (como a família de Paulo), que na época já haviam se assentado em várias cidades do império.

A cidadania romana, citada nos escritos de Lucas, é um ponto controverso da biografia de Paulo. Tê-la garantia alguns privilégios, como o direito de participar das assembléias que decidiam questões sobre a vida e a organização da cidade e a isenção do pagamento de alguns impostos. Os cidadãos romanos também não podiam ser crucificados, caso fossem condenados à morte. Segundo Lucas, Paulo herdara a cidadania do pai ou do avô, que a teriam obtido por mérito ou comprado por uma volumosa quantia. Mas o apóstolo nunca se declarou romano em suas cartas.

Para o biblista Murphy-O’Connor, o silêncio é compreensível: “Não havia razão para Paulo mencionar sua posição social em cartas a comunidades que ele desejava convencer de que ‘nossa pátria está nos céus’, escreve o teólogo no livro Paulo: Biografia Crítica”. Cidadão romano ou não, Paulo provavelmente fazia parte de uma elite – seu pai especula-se, era dono de uma oficina onde se fabricavam tendas. Ele mesmo, aliás, dominava esse ofício.
O ano exato do nascimento de Paulo, bem como a data dos principais acontecimentos de sua vida, é, ainda hoje, motivo de controvérsia. Muitos historiadores supõem que ele tenha nascido por volta do ano 5 da era cristã. Era, portanto, alguns anos mais novos do que Jesus – cujo nascimento, segundo descobertas históricas recentes, é datado entre 6 e 4 a.C. Paulo foi educado na casa de seus pais, na sinagoga e na escola ligada a ela. Aos 15 anos, deixou Tarso e mudou-se para Jerusalém, onde matriculou-se na escola de Gamaliel, um dos sábios mais respeitados do mundo judaico. Paulo teve uma formação acadêmica de primeira – nos parâmetros atuais, algo equivalente a um doutorado em Harvard.

Nos tempos de estudante, Paulo presenciou uma situação que estaria na origem de seu “cristo fobia”. Um dos alunos mais brilhantes era um jovem chamado Estêvão, um nazareno – nome dado aos que seguiam os ensinamentos de Cristo. Em uma discussão, Estêvão foi fiel a sua fé e declarou que Jesus era o messias: tal afirmação provocou a ira dos colegas, inclusive de Paulo. Pela blasfêmia, Estêvão foi levado diante do Sinédrio e condenado à morte por apedrejamento. Conforme o costume da época, as pessoas que iam apedrejar o condenado deveriam tirar suas próprias vestes e colocá-las aos pés de uma testemunha. No martírio de Estevão, a testemunha era Paulo.

A partir desse episódio, Paulo, que já era um intransigente defensor da lei e dos costumes judaicos, viu nos seguidores de Cristo uma ameaça real à sua própria religião. Foi então que passou a cultivar um ódio crescente pelos nazarenos e tornou-se um implacável perseguidor dos membros dessa seita. Depois de muito aterrorizar os cristãos de Jerusalém, decidiu agir na Síria. Foi quando aconteceu sua conversão no caminho de Damasco.

O missionário viajante

Paulo tinha cerca de 30 anos quando ocorreu seu encontro místico com Jesus. Depois de ter se tornado um fervoroso discípulo do Nazareno, viveu algum tempo na comunidade cristã damasquina, até ser expulso pelos judeus. Refugiou-se por cerca de dois anos na Arábia – território dominado pela tribo dos nabateus –, que se estendia do mar Vermelho até Damasco, margeando a Palestina pelo leste. Nesse período, estudou e refletiu sobre os ensinamentos de Cristo. Por volta do ano 37, retornou a Damasco, onde fez suas primeiras pregações.

Mais uma vez, provocou a fúria da comunidade judaica e teve de deixar a cidade numa fuga cinematográfica. Como os portões da cidade estavam vigiados, ele escondeu-se num cesto que foi descido pelas muralhas. Era noite e Paulo andou por cinco horas até sentir-se a salvo. Após seis dias de caminhada, chegou a Jerusalém. Havia três anos que ele tinha deixado à cidade.

Os cristãos de Jerusalém o receberam com desconfiança. Afinal de contas, ainda estavam vivas na memória as atrocidades cometidas por Paulo. Coube a Barnabé, um ex-colega da escola de Gamaliel convertido ao cristianismo, apresentá-lo aos apóstolos. Foi nessa ocasião que aconteceu o primeiro encontro com Pedro, um dos discípulos mais próximos de Jesus. Durante 15 dias, eles permaneceram juntos. Mas não tardou para o Sinédrio saber que Paulo, agora cristianizado, havia voltado. Diante do perigo que corria em Jerusalém, Paulo mais uma vez teve de fugir: o destino foi Tarso, sua cidade natal, onde permaneceu por sete ou oito anos. Nada se sabe sobre sua vida nesse período.
Por volta de 45 D.C., convidado por Barnabé, Paulo mudou-se para Antióquia da Síria, onde a igreja dos nazarenos crescia rapidamente. Depois de Roma e Alexandria, no Egito, Antióquia era a terceira maior cidade do Império Romano. “Diferentemente do que acontecia em Jerusalém, onde os seguidores de Jesus ainda estavam ligados à lei e aos rituais judaicos, em Antióquia se respirava ar novo – lá, boa parte dos neocristãos vinha do paganismo”, afirma padre Bortolini. O termo cristão, como designação dos discípulos de Jesus, surgiu pela primeira vez nessa cidade. Esse fato reveste-se de importância porque pela primeira vez os seguidores de Jesus não são mais vistos como judeus dissidentes.

Foi de lá que Paulo – descrito em textos apócrifos como “um homem pequeno com uma grande cabeça careca” – partiu para sua primeira jornada missionária. Nessa ocasião, ele tinha cerca de 40 anos. Durante 12 anos, de 46 a 58, Paulo empreendeu quatro viagens evangelizadoras, visitando boa parte do Império Romano, que se estendia da Grã-Bretanha ao Oriente Médio, passando pelo norte da África. Eram jornadas árduas, feitas a pé ou de navio, sempre na companhia de outros discípulos.

Quando viajavam por terra, seguiam pelas estradas romanas, percorrendo 30 quilômetros por dia. O perigo os espreitava como escreve o apóstolo em uma de suas epístolas aos coríntios: “Sofri perigos nos rios, perigo por parte de ladrões, perigo por parte dos meus irmãos de raça, perigo por parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos por parte dos falsos irmãos”.
A estratégia pastoral de Paulo era bem definida. Pregava nas sinagogas, em casas e praças de grandes centros urbanos, que funcionavam como pólos irradiadores da mensagem. Ao sair, designava um líder responsável pelo rebanho. A primeira viagem, entre 46 e 48, foi feita em companhia de Barnabé e de Marcos, outro discípulo cristão, o mesmo a quem é atribuído um dos quatro evangelhos. Foram à ilha de Chipre e percorreram a Ásia Menor (veja mapa) antes de retornar a Antióquia. É a partir dessa primeira expedição que Paulo deixa de ser chamado pelo nome judeu Saulo – a mudança é narrada por Lucas no Ato dos Apóstolos, 13:9.

Antes de partir para a segunda viagem, Paulo foi intimado a participar do Concílio Apostólico de Jerusalém, em 49, que reuniu a nata do cristianismo primitivo. Foi um encontro tenso, aonde, pela primeira vez, vieram à tona as divergências entre Paulo e o grupo de judeu-cristãos, tendo à frente Pedro e Tiago Menor, líder da comunidade cristã em Jerusalém. A assembléia discutiu assuntos delicados, como a obrigatoriedade da circuncisão para os pagãos convertidos ao cristianismo.

A questão era importante e polêmica, pois a circuncisão era encarada como a porta de entrada do judaísmo. Ao aceitá-la, os convertidos assumiam que adotariam integralmente a cultura judaica. Paulo era contra, pois acreditava que o sacramento do batismo era suficiente para a conversão. Em suas pregações, ele encontrava forte resistência dos pagãos, que não entendiam por que deveriam se submeter ao ritual de iniciação judaico para tornarem-se cristãos. Depois de acirradas discussões, Paulo saiu vitorioso.

Foi, em parte, por causa dessa liberalização que Paulo arrebanhou um número tão grande de fiéis. Ao final do encontro, Paulo recebeu a alcunha de “apóstolo dos gentios”, em contraposição a Pedro, chamado de “apóstolo dos judeus”.

A segunda jornada missionária começou depois do Concílio de Jerusalém e estendeu-se até 52. O ponto alto dessa jornada foi a pregação na Europa. Pela primeira vez, a palavra de Deus deixava a Ásia e espalhava-se por um novo continente. Paulo visitou várias cidades gregas, fundando importantes núcleos cristãos. “Foi por causa dessa passagem [da Ásia para a Europa] que o cristianismo sobreviveu e se desenvolveu”, argumenta padre Bortolini.

Foi também nessa jornada que Paulo escreveu, em 51, a Epístola aos Tessalonicenses, o mais antigo documento do Novo Testamento. Nas cartas paulinas, o trabalho braçal ficava por conta de escribas: Paulo as ditava e as assinava de próprio punho para autenticar o documento. A maioria delas foi escrita em grego, mesma língua usada por Paulo em suas pregações. Esse era o idioma universal, comparável ao que hoje é o inglês.

O apóstolo também se expressava em hebraico, língua da elite judaica, na qual foi escrita a maior parte dos livros do Antigo Testamento, e em aramaico, a língua materna de Jesus e corrente nas camadas populares da Palestina. Mesmo sendo poliglota, o apóstolo encontrava dificuldade para se comunicar em suas peregrinações, diante da multiplicidade de línguas e dialetos daquela época. Em muitas ocasiões, recorria a intérpretes.

Em uma de suas cartas, a Epístola aos Gálatas, percebe-se a tensão existente entre Paulo e os 12 apóstolos que conviveram com Cristo. Nela, Paulo afirma que “enfrentou abertamente [Pedro, em Antióquia], porque ele se tornara digno de censura”. O motivo da briga foram dois preceitos alimentares judaicos. Pedro defendia que os neocristãos não poderiam sentar-se à mesa com gentios – seus iguais até pouco antes. Deveriam também rejeitar sobras de carnes de animais sacrificados aos deuses pagãos. Paulo discordava e teve uma acirrada discussão com Pedro.

Na terceira viagem missionária, de 53 a 57, Paulo deteve-se por três anos em Éfeso, a capital da Ásia Menor. Lá, presume-se, esteve preso por alguns meses – ao longo de sua vida, o apóstolo deve ter permanecido quatro anos atrás das grades. Durante essa jornada, coletou dinheiro para os cristãos pobres de Jerusalém. No retorno à Terra Santa, não se sabe como foi recebido por Tiago, chefe da igreja de Jerusalém. Nem Lucas nem Paulo deixam claro se ele aceitou o dinheiro “impuro” da coleta. Sabe-se apenas que foi na volta a Jerusalém que Paulo foi preso, na Praça do Templo, sob a acusação de introduzir gentios na sinagoga. Os judeus estavam furiosos com a presença do pregador na cidade e, temendo por sua segurança, o tribuno romano Cláudio Lísias o encarcerou de novo. Dessa vez, foi em Cesaréia, perto de Jerusalém, onde amargou dois anos de reclusão. Eis que ele pediu para ser julgado em Roma pelo imperador – direito conferido aos cidadãos romanos.

No outono de 60, o apóstolo foi enviado à capital imperial, uma cidade com quase 1 milhão de moradores. Paulo foi saudado pela comunidade cristã e permaneceu em prisão domiciliar, vigiada por soldados. Encontrava-se com as pessoas, mas não podia sair de casa. Aproveitou esse período para transmitir a palavra de Deus. Depois de dois anos de cativeiro, seu processo foi encerrado sem uma sentença condenatória.

Pouco se sabe a respeito dos anos seguintes da vida de Paulo, já que o Novo Testamento não dá indicações do que aconteceu com ele após a prisão em Roma. Mas, segundo a tradição, acredita-se que tenha empreendido uma viagem à Espanha ou visitado as igrejas cristãs que fundara na Grécia e Ásia Menor e retornado a Roma na primavera de 67. O império era chefiado por Nero, que anos antes havia ateado fogo na cidade e jogara a culpa pelo desastre nos seguidores de Jesus. Por isso, os cristãos eram duramente perseguidos e tinham que se reunir em catacumbas para escapar da fúria insana do imperador. Quando capturados, viravam presa para as feras do Coliseu. Ao deparar com essa situação, Paulo empenhou-se em reconstruir a comunidade. Não tardou e foi preso, acusado de chefiar a seita dos nazarenos.

Na prisão, escreveu sua derradeira carta ao discípulo Timóteo, um dos líderes da igreja de Éfeso. Ele sabia que não escaparia da morte. No outono daquele ano, foi levado pelos guardas para fora da cidade e degolado. No local de seu martírio foi construída a Praça Tre Fontane e perto dali, junto ao seu túmulo, erguida a basílica de São Paulo Extramuros. Diz a lenda que, no momento de sua execução, uma cega de nome Petronila aproximou-se do apóstolo e lhe ofereceu um véu para cobrir-lhe o rosto. Paulo teria devolvido o véu à mulher e, quando ela o colocou sobre os seus próprios olhos, recobrou milagrosamente a visão. A conversão de Paulo é comemorada no dia 25 de janeiro. Foi uma escolha aleatória, já que não se sabe o dia exato de sua conversão.

Como a cidade de São Paulo foi fundada nesse dia, acabou recebendo o nome do santo. A festa de São Paulo é celebrada em 29 de junho, junto com a de São Pedro. Foi uma forma encontrada pela Igreja para homenagear, de uma só vez, os dois líderes máximos do cristianismo primitivo.
Cristianismo ou paulinismo?

As 13 cartas escritas por São Paulo sintetizam o pensamento do apóstolo, que viria a moldar a doutrina cristã. Elas foram redigidas entre os anos 50 e 60 e são os mais antigos documentos da história do cristianismo – os quatro evangelhos canônicos de Mateus, Marcos, Lucas e João ficaram prontos apenas entre os anos 70 e 100. A influência do apóstolo na consolidação da doutrina cristã pode ser medida pelo fato de suas epístolas representarem quase metade dos 27 livros do Novo Testamento. Com elas, dizem os estudiosos, Paulo não tinha a pretensão de formular tratados teológicos. “Elas são resultado de experiências vivenciadas pelas comunidades paulinas”, afirma o André Chevitarese. Uma corrente de biblistas defende que nem todas foram de fato escritas por Paulo – algumas teriam sido redigidas por seus discípulos após a morte do apóstolo. “Elas são muito diferentes em estilo literário e conteúdo”, afirma Pedro Vasconcellos, da PUC. Para a Igreja, no entanto, todas as cartas são de autoria de Paulo.

Se for uma rica fonte de difusão da doutrina cristã, esses documentos são também a principal causa da controvérsia sobre o apóstolo. Na opinião de Fernando Travi, líder da Igreja Essênia Brasileira, a descoberta, no século passado, de escrituras datadas dos primeiros anos do cristianismo, como os Manuscritos do Mar Morto, o Evangelho dos 12 Santos (ou da Vida Perfeita) e o Evangelho Essênio da Paz, indica que boa parte do conteúdo das cartas de Paulo está em oposição aos ensinamentos de Jesus (leia quadro na pág. 64).

“Existem sérios indícios de que, como num plano de sabotagem, Paulo divulgou uma doutrina falsificada em nome do messias”, diz ele. Opinião parecida tem o pastor batista americano Edgar Jones, autor do livro Paulo: O Estranho. “Jesus de Nazaré deve ser cuidadosamente diferenciado do Jesus de Paulo. Gerações e séculos passaram até que a corrente paulina com seu forte apelo em favor do Império Romano ganhasse ascendência sobre a corrente apostólica”, diz o teólogo.

O fato é que, até o século 4, o cristianismo dividia-se em duas correntes distintas, uma liderada pelos discípulos de Paulo e outra pelos seguidores dos apóstolos de Cristo. Quando o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, a corrente paulina saiu-se vitoriosa. “As idéias de Paulo, afáveis aos dominadores, foram definitivamente incorporadas à doutrina cristã”, diz Fernando.

Para os críticos de Paulo, um exemplo dessa “afabilidade” está presente na Epístola aos Romanos. “Cada um se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. Aquele que se revolta contra a autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus”, escreve Paulo. E continua: “É também por isso que pagais impostos, pois os que governam são servidores de Deus”. “Essa passagem revela que ele estava a serviço das autoridades romanas. Jesus, por sua vez, se insurgia contra as leis de Estado”, afirma Fernando. Para os defensores de Paulo, esse texto foi tirado de seu contexto e tornou-se, ao longo dos séculos, uma teoria metafísica do Estado. “O texto só tinha valor para quem vivia em Roma, onde qualquer movimento de desobediência seria esmagado”, diz o teólogo Pedro Vasconcellos.

Para outros teóricos, deve-se diferenciar a doutrina religiosa paulina das opiniões do apóstolo sobre a ordem social. “A teoria de Igreja de Paulo é fundamentada no antiautoritarismo, o que influenciou muito a doutrina protestante. Na sua igreja, a idéia de liberdade é plena, mas quando ela é extrapolada para o meio social, surge o seu conservadorismo”, diz o pastor luterano Milton Schwantes, professor da Universidade Metodista de São Paulo e doutor em literatura bíblica. O sacerdote franciscano Jacir de Freitas Faria, mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico (PIB), de Roma, comunga da mesma opinião: “Paulo é uma figura basilar do cristianismo, mas não podemos deixar de ser críticos a ele nessa relação com o Império Romano”.

Outro ponto controverso das epístolas paulinas refere-se à defesa que seu autor faz da escravidão. Na Epístola aos Efésios, Paulo é taxativo: “Servos, obedecei, com temor e tremor, em simplicidade de coração, a vossos senhores nesta vida, como a Cristo”. Para os antipaulinos, o apoio dado pelo apóstolo à escravidão tem sido usado pela Igreja ao longo dos séculos para legitimar situações espúrias de dominação e diverge radicalmente da palavra de Cristo, que pregava um mundo livre de opressões.

A corrente pró-paulina argumenta, mais uma vez, que é preciso analisar o contexto histórico para entender seus escritos: “Sua falha em condenar a escravidão torna-se compreensível quando sabemos que cerca de 60% da população de qualquer cidade grande daquele tempo era formada por escravos. Toda economia estava estruturada em torno desse fato e, por isso, uma atitude crítica seria incompreensível”, afirma o biblicista Jerome Murphy-O’Connor, de Jerusalém.

O apóstolo dos pagãos também é bombardeado por suas posições a respeito das mulheres. Na carta endereçada à comunidade cristã de Colosso, ele escreve: “Quanto às mulheres, que elas tenham roupas decentes, se enfeitem com pudor e modéstia. (...) Durante a instrução, a mulher conserve o silêncio, com toda submissão. Não permito que a mulher ensine, ou domine o homem”. Suas palavras atraem até hoje a ira das feministas, que o acusam de misoginia. Seus defensores, por outro lado, argumentam que , ao contrário, ele incentivava a participação das mulheres na vida social. “Paulo acreditou firmemente na igualdade entre os sexos e, em suas igrejas, as mulheres exerciam todos os ministérios. Alguns exegetas munidos de preconceito interpretaram erroneamente os textos paulinos”, diz Murphy-O’Connor.
Outro petardo disparado pelos críticos diz respeito à doutrina da salvação defendida por Paulo. “Paulo diz que os pecados são perdoados se a pessoa acreditar que Jesus morreu na cruz por ela. É a doutrina da salvação em que o herói derrama seu sangue e todos são perdoados por causa dele. Enquanto isso, Jesus diz: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Para Jesus, a salvação será dada àqueles que seguirem seus ensinamentos”, afirma Fernando Travi. Os defensores de Paulo discordam e afirmam que o apóstolo foi mais uma vez mal interpretado.

“Creio que houve uma transformação conservadora da mensagem de Paulo. Temos que libertá-lo das idéias errôneas a seu respeito perpetuadas ao longo dos séculos”, diz Pedro Vasconcellos, da PUC.

Conservador ou radical, fiel ou não a Jesus Cristo, São Paulo foi, sem dúvida, um dos poucos evangelizadores – se não o único – a fazer o cristianismo passar da cultura semita à greco-romana, possibilitando que ela se tornasse uma religião mundial. “Ele criou condições para que povos não judaicos, ao receberem a mensagem de Deus, fossem inseridos de forma igualitária na comunidade cristã”, afirma o André Chevitarese, da UFRJ. Sem Paulo, considerado por muitos o pai do cristianismo, a história da humanidade teria tomado outro rumo. A Idade Média, marcada pela força da Igreja Católica, ocorreria de outra forma e o mundo em que vivemos seria totalmente diferente. Nada seria como é.

Por Yuri Vasconcelos - Superinteressante

sábado, 12 de janeiro de 2013

Intuição


Etimologicamente vem do latim “intus actionis”, o dentro (ou íntimo) da ação. Significa saber ou ver o íntimo da ação.

Em psicologia, intuição é um processo pelo qual os humanos passam, às vezes e involuntariamente, para chegar a uma conclusão sobre algo.

Na intuição, o raciocínio que se usa para chegar à conclusão é puramente inconsciente, fato que faz muitos acreditarem que a intuição é um processo paranormal ou divino. Seu funcionamento e até mesmo sua existência são um enigma para a ciência. Apesar de já existirem muitas teorias sobre o assunto, nenhuma é dada ainda como definitiva. A intuição leva o sujeito a acreditar com determinação que algo poderá acontecer.

Classificação

A intuição pode ser dividida em quatro grupos. Esses grupos, na psicologia, não possuem termos oficiais para suas nomenclaturas e nem mesmo seguem à risca a definição de intuição, já apresentada acima.

Tipo 1: É o tipo de intuição que envolve um raciocínio simples, tão simples que passa despercebido pela mente consciente. Nós chegamos a uma conclusão, mas não percebemos que raciocinamos para obtê-la. Quando vemos um copo caindo, por exemplo, nós já sabemos que ele se quebrará, e isto sem precisar pensar conscientemente. É o que chamamos de "óbvio", elementar.

Tipo 2: É o tipo de intuição que vem da prática. Quanto mais se pratica alguma coisa, mais a mente passa a tarefa de raciocinar sobre o assunto que se está desenvolvendo do campo consciente para o campo inconsciente. Enxadristas considerados mestres, por exemplo, ao olharem para um tabuleiro logo sabem que jogada fazer, pensando muito pouco ou literalmente não pensando. Outro exemplo é no aprendizado de novas línguas, o aluno tem de pensar muito para construir frases do idioma que está aprendendo enquanto o professor o faz naturalmente.

Tipo 3: É quando chegamos a uma conclusão de um problema complexo sem ter raciocinado. Popularmente, essa intuição se refere aos clichês "Como não pensei nisso antes?" e "Eureca!". Quando pessoas passam por esse fenômeno, elas não sabem explicar como raciocinaram para chegar ao resultado final, simplesmente falam que a resposta apareceu na mente deles.

“Intuição é a apreensão imediata da realidade por coincidência com o objeto. Em outras palavras, é a realidade sentida e compreendida absolutamente de modo direto, sem utilizar as ferramentas lógicas do entendimento: a análise e a tradução. Isto é, a intuição é uma forma de conhecimento que penetrar no interior do objeto de modo imediato sem o ato de analisar e traduzir.

A análise é o recorte da realidade, mediação entre sujeito e objeto. A tradução, é a composição de símbolos linguisticos ou numéricos que, analogamente a primeira, também servem de mediadores. Ambas são meios falhos e artificiais de acesso a realidade. Somente a intuição pode garantir uma coincidência imediata com a realidade sem símbolos nem repartições” (Henri Bergson).

Ontopsicologia


Ontopsicologia é uma ciência humanista contemporânea cujo objeto de estudo é a atividade psíquica no ser humano, tendo sido formalizada ao longo dos últimos 40 anos pelo cientista, artista e estilista italiano Antonio Meneghetti. Segundo a Universidade Estatal de São Petersburgo, Rússia:

Em sentido científico moderno, segue organicamente a tradição da psicanálise e da psicologia humanista existencial, mas, ao mesmo tempo, é uma escola científica independente, com suas próprias descobertas, métodos e instrumentos de análise e intervenção.

A exemplo da fenomenologia husserliana, a Ontopsicologia não se confunde com a psicologia, sendo a psicoterapia apenas uma de suas aplicações. O principal objetivo de sua aplicação é tornar exato o pesquisador, o operador, o líder em qualquer campo que opere (administração, medicina, arte, filosofia, etc.), sendo, nesse sentido, um método interdisciplinar elementar a serviço das ciências.

É importante ressaltar que a sua aplicação em psicologia não é autorizada pelo Conselho Federal de Psicologia e que, um reduzido número de acadêmicos discorda de suas teorias, afirmando que não há consistência em seus textos fundamentais e que tal campo de estudo seria uma pseudociência.

O primeiro a usar o termo "Ontopsicologia", conforme relatado por Abraham Maslow na obra "Introdução à Psicologia do Ser (Toward a Psichology of Being)", foi o psicólogo humanista norte-americano Anthony Sutich, fundador do Journal of Humanistic Psychology e co-fundador da Association for Humanistic Psychology, para mostrar como a psicologia do seu tempo estava sob influência do existencialismo.

Anos depois, em 1972, Joseph P. Ghougassian, Professor da Universidade da Califórnia em San Diego, publica o livro "A Ontopsicologia da pessoa de Gordon W. Allport (Gordon W. Allport's Ontopsychology of the person)", onde analisa retrospectivamente as contribuições de Allport à psicologia da personalidade. O termo "Ontopsicologia" foi por ele utilizado em referência à psicologia de um Self, entendido como um "projeto aberto em contínua auto-construção (autóctise)".

Paralelamente, no início dos anos 70, Antonio Meneghetti desenvolve a primeira formalização teórica da ciência ontopsicológica, no texto "Ontopsicologia do homem" (original de 1971, editado posteriormente sob o título "O Em Si do Homem", em 1989), desenvolvendo atividades de pesquisa e divulgação de resultados durante décadas até que, em 27 de maio de 2004 a Universidade Estatal de São Petersburgo inaugurou, na sua Faculdade de Psicologia, a Cátedra de Ontopsicologia.

Definição

A palavra "Ontopsicologia" é formada a partir de três radicais gregos: ontos (óntos), "ser, real", ψυχή (psykhé), "psique, alma, mente" e λόγος, (lógos), "estudo, palavra, razão”. Significa "estudo da psique humana inclusa a compreensão do ser". Em outras palavras, "estuda como a psique humana colhe o real".

A Ontopsicologia se diversifica de todas as outras ciências com base nessas três descobertas, em base às quais funda sua teoria e sua práxis:

O campo semântico é a comunicação-base que a natureza usa entre as suas individuações. É um transdutor informático sem deslocamento de energia. Permite conhecer em primeira atualidade a dinâmica que uma realidade está operando.

O Em Si ôntico é a radicalidade da atividade psíquica, o projeto de natureza que constitui o ser humano. O critério metodológico para identificar o Em Si ôntico é a identidade funcional do sujeito. Toda a práxis ontopsicológica consiste na identificação, no isolamento e na aplicação do Em Si ôntico.

O monitor de deflexão é o mecanismo que distorce e interfere na exatidão dos processos cognoscitivos e voluntários do ser humano, determinando as diversas fenomenologias regressivas conhecidas pelo homem. Trata-se, essencialmente, de mecanismos racionais que desviam ou defletem a informação do Em Si ôntico, levando o indivíduo a comportar-se contra o seu próprio bem-estar e aquele de outras pessoas.

A Ontopsicologia faz parte da grade curricular de cursos de graduação e pós-graduação em psicologia, sociologia e administração de empresas nas seguintes instituições:
Especialização e Mestrado em Psicologia da Universidade Estatal de São Petersburgo, Rússia.
Antonio Meneghetti Faculdade, Recanto Maestro, Brasil.
Faculdade de Sociologia da Universidade La Sapienza de Roma (Curso Post Lauream: Criatividade e Empresa.
Faculdade de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina *
Faculdade de Economia e Direito de Dnipropetrovsk, Ucrânia


Fonte: Wikipédia 

A evolução das espécies

A Teoria da Evolução explica muito bem a origem das espécies, mas transmite a falsa idéia de que os animais com o tempo, se tornam cada vez mais perfeitos. Não é isso, no entanto, o que revela a pesquisa moderna, afirma o paleontólogo Stephen Jay Gould. Ele ilustra o que quer dizer com um caso excepcional, a origem dos cavalos. 

Ela revela com detalhes as mudanças sofridas por uma espécie já extinta, o Hyracotherium, que há cerca de 50 milhões de anos possuía quatro dedos na pata. De acordo com a teoria, essas mudanças tiveram início ao acaso, ao lado de muitas outras mutações a que todos os seres estão sujeitos.

No entanto,os animais que nasciam com o dedo central mais forte corriam com mais facilidade e levavam vantagem sobre seus irmãos menos afortunados. Assim, essa tendência impôs-se gradualmente, até levar ao cavalo moderno, cujo pé possui um único dedo, perfeitamente adaptado à necessidade de correr. Gould não tem dúvida de que esse raciocínio explica a origem do cavalo, mas não prova que ele é o mais perfeito descendente do Hyracotherium.

Revela apenas que foi o único a ter sobrevivido. É provável que, no passado, o cavalo tenha tido diversos tios-avôs, já que a evolução tende a gerar uma profusão de formas vivas. Muitas delas, posteriormente se extinguem, mas isso não é sinal de imperfeição; pode ter causas imponderáveis, como a queda de um grande corpo celeste sobre a Terra. "Em última instância, a extinção é o destino natural de todos os seres", pondera Gould. Na sua opinião o homem tem dificuldade para aceitar esse fato por se considerar o ápice da evolução.

Ele cita o exemplo dos dinossauros cujo desaparecimento é visto como um fracasso. "Trata-se de simples arrogância", ataca. "Afinal, os dinossauros existiram durante 120 milhões de anos e nós existimos há apenas 250 mil anos. Não creio que tenhamos muita chance de sobreviver por um tempo 500 vezes maior e empatar com eles".

Animais que não pertencem a nenhuma das grandes linhagens conhecidas revelam um período da história do planeta em que as formas vivas eram muito mais variadas e exóticas.

Burgess Shale, atualmente, é uma íngreme escarpa na face oeste das Montanhas Rochosas, no Canadá, situada a 2 500 metros de altitude. Mas as placas calcárias que a recobrem não estiveram sempre nesses píncaros. Há 500 milhões de anos durante o obscuro período geológico do Cambriano, não passavam de lama num leito raso de mar e sobre elas perambulavam criaturas como jamais se veriam novamente na Terra.

Elas revelam uma caótica disparidade de forma que, depois de enterradas e esmagadas por formidáveis movimentos geológicos, ao longo dos milênios, ficaram preservadas nas rochas canadenses. A maior parte desses animais não ia além dos cinco centímetros de comprimento e, superficialmente, se parecia com os vermes, moluscos e crustáceos comuns.

Mas eram tão diferentes dos animais modernos, que é tentador imaginá-los como extraterrestres habitantes de um mundo distante no tempo. Foi essa a imagem que acorreu ao paleontólogo Stephen Jay Gould, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, ao descrevê-los. "Burgess Shale é como o cenário de um filme de ficção científica”.

"Embora pouco maior que um quarteirão, exibe de quinze a vinte bizarros seres que não pertencem a nenhum grupo de animais conhecidos." Um dos mais inventivos pesquisadores da origem das espécies, Gould dedica inteiramente a essa fauna o último dos seus inúmeros livros de sucesso, Wonderful life (Vida maravilhosa, ainda não editado no Brasil). Excelente escritor, ele expõe com detalhes a perplexidade dos cientistas ao descobrirem a verdadeira identidade das "estranhas maravilhas" do Cambriano.

São seres como a Opabinia, cuja visão, inicialmente, provocou gargalhadas entre os paleontólogos. Medindo de 4 a 7 centímetros de comprimento, dotada de cinco olhos e uma inclassificável tromba frontal, ela sugere uma disparatada colagem de vários animais.

À primeira vista, poderia ser um elo desconhecido entre duas grandes linhagens modernas: os anelídeos, que incluem as minhocas, e os artrópodes, representados pelas lagostas. Chegou a pensar que sua tromba era um esboço primitivo das antenas dos artrópodes, mas nenhuma conjetura plausível conseguiu desvendar a ligação entre os dois tipos de órgãos. O mesmo vale, ainda com mais razão, para o Hallucigenia, em cujo corpo tubular espetam-se sete pares de espinhos, à moda de patas, e sete enigmáticos tentáculos.

Um palpite é que os tentáculos seriam sete bocas independentes, tal como na mitológica Hidra de Lerna da Grécia Antiga. Seja como for, nada de vagamente comparável existe na moderna Biologia. Para Gould, não há como evitar a conclusão crucial: o desenho singular de inúmeros seres do Cambriano não tem paralelo em nenhuma das linhagens modernas.

Representam experiências independentes e ampliam de tal maneira a disparidade da vida, que chocam as idéias convencionais sobre a evolução. Em primeiro lugar, nada explica a súbita criação de tantos animais complexos. Durante três bilhões de anos, a vida permanecera estável na forma de seres microscópicos e, então, em um átimo — apenas alguns milhões de anos — produziu as mais delirantes formas.

Gould pondera que, em tempos comuns, a evolução opera de maneira inteiramente diversa. As espécies se transformam lentamente e aquelas que ganham as melhores aptidões desbancam suas vizinhas. Assim, ao longo de muitos milhões de anos, as populações se alteram, e é sempre possível encontrar o registro gradual dessas alterações.

Mas, durante o relâmpago criativo do Cambriano, simplesmente não houve tempo para que esse mecanismo operasse. Pelo mesmo motivo, também não se explica por que algumas linhagens sobreviveram e outras sucumbiram, como se sua sorte tivesse sido selada numa loteria. "Se o fenômeno se repetisse", imagina Gould, "os sobreviventes seriam outros e o próprio homem poderia não estar incluído entre eles".

A Terra, então, talvez fosse povoada pelos “anjos caídos, isto é, pela esdrúxula fauna do Cambriano, comparável aos anjos rebeldes expulsos do céu, descritos no livro do Apocalipse”. O biólogo Richard Lewontin, de Harvard, emprega essa analogia para salientar a importância do registro fóssil de Burgess Shale, onde se descortinou, pela primeira vez, esse instante fugaz em que a vida se encontrava em máxima amplitude.

Além das novas e complexas anatomias, essa criatividade se manifesta igualmente na rica ecologia de Burgess Shale — que não incluía apenas pequenos animais coletores de defeitos, mas também os grandes predadores. O exemplo mais notável é o Anamalocaris.

Com cerca de meio metro de comprimento, um gigante naquela era de pigmeus, ele era dotado de apêndices coletores de caça e uma boca circular sem igual, que tinha a forma de um anel e, embora gelatinosa, era forte o suficiente para contrair-se e decepar as presas capturadas pelos apêndices.

Em vista disso, o Anômalo provavelmente encabeçava uma cadeia de predadores, que representa pelo menos 20% dos gêneros de animais encontrados em Burgess Shale. Abaixo deles, perfilava uma extensa lista de coletores de detritos, como a Wiwaxia, um ser dúbio entre os moluscos e os vermes, significativamente armado com pontudas conchas defensivas. No total, de acordo com o modo de vida e com os hábitos alimentares dos animais, distinguem-se nada menos que seis grandes categorias ecológicas nesse ambiente.

A descoberta recente de fósseis em diversos outros lugares, inclusive na China e na Austrália, mostra que a explosão criativa sacudiu todo o planeta. E parece ter sido ainda mais violenta, pois alguns desses novos achados são de um período do Cambriano que antecede os tempos de Burgess Shale. Portanto, a irrupção dos animais ocorreu num prazo ainda menor do que se imaginava.

No Brasil, curiosamente, nada se encontrou até agora. "Essa fase da história parece não ter deixado registro no país", lamenta o paleontólogo Murilo Rodolfo de Lima, da Universidade de São Paulo. Seja como for, a busca mundial só começou para valer há poucos anos, embora as criaturas do Canadá sejam conhecidas desde 1909. Nesse ano, o respeitado geólogo americano Charles Walcott praticamente tropeçou nelas ao voltar de uma temporada de caça. Interpretou-as, então, como simples ancestrais dos seres modernos, e seu prestígio impediu a revisão científica dos achados pelo menos até a década de 70.

É importante ter em mente que nem todas as maravilhas do Cambriano são inteiramente originais. Muitas delas podem ser incluídas em linhagens conhecidas, como a Marrella e a Yohoia, que foram primitivos artrópodes e, portanto, aparentadas às lagostas. Mesmo assim, esses fósseis estabelecem um ramo novo entre os artrópodes.

O Sanctacaris, por sua vez, pertence a um grupo ainda mais restrito: o dos quelicerados, uma das quatro divisões convencionais dos artrópodes, ao lado dos insetos, crustáceos e trilobitas (seres rastejantes dotados de muitas patas, extintos há 225 milhões de anos). Os quelicerados agrupam aranhas, escorpiões e carrapatos, mas o Sanctacaris, a exemplo da Marrella e da Yohoia, funda uma categoria diferente de todos esses animais. Isso dá uma visão mais precisa da variedade de formas evidenciada em Burgess Shale.

Nas suas rochas, apenas entre os artrópodes, estão presentes treze grandes divisões além das quatro tradicionais. Numa escala mais ampla, os paleontólogos listam pelo menos nove seres cujo organismo obedece a um desenho inteiramente desconhecido que não se vê entre os artrópodes, anelídeos, ou qualquer outro registrado pela Paleontologia.

Alguns exemplos ilustram o significado dessas diferenças arquitetônicas. A maior parte das criaturas que se vêem no dia-a-dia, efetivamente, compreende apenas cinco ou seis grandes tipos básicos, ou filos, em linguagem técnica. Segundo essa classificação, o homem pertence ao mesmo filo que os macacos, as baleias, as aves e os répteis — inclusive os ancestrais extintos desses animais, como os dinossauros.

Todos esses seres carregam as marcas registradas do seu filo: possuem coluna vertebral e têm um cérebro derivado do tubo neural. Esses traços fundamentais, por outro lado, não se encontram em nenhum outro filo do planeta: nos outros animais, o cordão nervoso original localizava-se no ventre e tinha funções muito mais limitadas que as do tubo neural.

É impossível delimitar as características chaves em todos os vinte ou trinta filos existentes na Terra, em sua grande maioria formados por animais raríssimos. Mas vale a pena distinguir os mais conhecidos e comuns. As esponjas estão entre os mais simples, pois seu corpo é constituído por pouco mais que uma membrana gelatinosa.
O mesmo se pode dizer dos anelídeos: seu corpo, exagerando um pouco, parece um intestino ambulante. É um cilindro formado por diversos anéis justapostos, no qual a boca fica em uma das extremidades e o ânus, na outra. Já a arquitetura corporal dos moluscos, cujos membros mais conhecidos são as ostras, as lesmas e os polvos, é um pouco mais elaborada. Uma das novidades de seu organismo foi a inclusão de partes duras, as conchas.

Os artrópodes, em seguida, são bem mais elaborados. Também têm partes duras, mas suas carapaças são feitas de uma complexa substância orgânica, o fosfato de arginina, enquanto as conchas empregam uma substância mineral simples, o carbonato de cálcio. Curiosamente, do ponto de vista do homem, o mais interessante dos filos é o dos equinodermos.

Embora reúnam animais como as estrelas e os ouriços-do-mar caracterizados por uma exótica divisão do corpo em cinco partes que se irradiam de um centro comum —, são os parentes mais próximos dos cordados, o filo do homem. Ambos surgiram a partir de seres superficialmente parecidos com lesmas do mar, cujo representante mais antigo a Pikaia, também se encontrava entre as maravilhas de Burgess Shale.

É difícil diferenciá-la de um verme anelídeo, mas a presença do notocórdio (um cordão de células nervosas situado nas suas costas) convenceu os paleontólogos que o descreveram, Conway Morris e Harry Wittington, de Harvard. “A Pikaia é um marco na história dos cordados”, escreveram. Mas era rara, sinal de que não tinha grande importância entre os diversos outros filos da época.
"Suspeito que os cordados tinham um tênue futuro no Cambriano", opina Gould. O fato de, a despeito disso, terem sobrevivido e herdado a Terra parece-lhe puro acaso. Argumentos desse tipo tendem a ser encarados como um desafio insuperável à Teoria da Evolução, tal como formulada, no século XIX, pelo inglês Charles Darwin (1809-1882).

Mas não é bem assim. "É um erro pensar que a evolução é caótica e inexplicável", esclarece Gould. De modo geral, os mecanismos de mutação e adaptação das espécies continuam valendo: o xis do problema são as bruscas explosões criativas e as grandes extinções, que redirecionam o curso da vida de modo inesperado.

Nas palavras do biólogo Richard Lewontin, a natureza volta e meia promove uma espécie de faxina geral na casa. É curioso notar que as extinções dizimaram diversos filos do Cambriano, mas os sobreviventes, por sua vez, ganharam muitos novos ramos.

Hoje, por exemplo, apenas o grupo dos insetos, entre os artrópodes, contém 1 milhão de espécies diferentes, milhares de vezes mais do que no passado. A extinção, portanto, parece ter operado com certo critério, abrindo espaço para um novo ciclo evolutivo.

Gould insiste, no entanto, que essa faxina é muito rápida e introduz uma alta dose de sorte na seleção dos sobreviventes. Em vista disso, já não se pode pensar que a evolução avança sempre no sentido da maior perfeição como se as espécies subissem, passo a passo, uma escada para o sucesso.

A história mostra, em vez disso, que pode haver muitas escadas, isto é, diversos caminhos alternativos, que, em determinado momento, a evolução pode tomar. "Assim, o que acaba acontecendo", ensina o cientista, "é a concretização de uma entre 1 bilhão de possibilidades."

 

Por Flávio Dieguez - Superinteressante