" - Iminência...
- Você quer dizer 'eminência'.
- O quê?
- Você disse 'iminência'. O certo é 'eminência'.
- Perdão. Sou um servo, um réptil, um nada. Uma sujeira no seu sapato de cetim. Mas sei o que digo. E eu quis dizer 'iminência'.
- Mas está errado! O tratamento correto é 'eminência'.
- Não duvido da sua eminência, monsenhor, mas o senhor também é iminente. Ou uma eminência iminente.
- Em que sentido?
- No sentido filosófico.
- Você tem dois minutos para explicar, antes que eu o excomungue.
- Somos todos iminentes, monsenhor. Vivemos num eterno devir, sempre às vésperas de alguma coisa, nem que seja o almoço ou a morte. À beira do nosso futuro como um precipício. A iminência é o nosso estado natural. Pois o que somos nós, se não expectativas?
- Você, então, se acha igual a mim?
- Nesse sentido, sim. Somos coiminentes.
- Com uma diferença. Eu estou na iminência de mandar açoitá-lo por insolência, e você está na iminência de apanhar.
- O senhor tem esse direto hierárquico. Faz parte da sua eminência.
- Admita que você queria dizer 'eminência' e disse 'iminência'. E recorreu à filosofia para esconder o erro.
- Só a iminência do açoite me leva a admitir que errei. Se bem que...
- Se bem que?
- Perdão. Sou um verme, uma meleca, menos que nada. Um cisco no seu olho, monsenhor. Mas é tão pequena a diferença entre um 'e' e um 'i' que o protesto de vossa iminência soa como prepotência. Eminência, iminência, que diferença faz uma letra?
- Ah, é? Ah, é? Uma letra pode mudar tudo. Um emigrante não é um imigrante.
- É um emigrante quando sai de um país e um imigrante quando chega em outro, mas é a mesma pessoa.
- Pois então,? Muitas vezes a distância entre um 'e' e um 'i' pode ser um oceano. E garanto que você terá muitos problemas na vida se não souber diferenciar um ônus de ânus.
- Isso são conjunturas.
- Você quer dizer 'conjeturas'.
- Não, conjunturas.
- Não é 'conjeturas' no sentido de especulações, suposições, hipóteses?
- Não. 'Conjunturas' no sentido de situações, momentos históricos.
- Você queria dizer 'conjeturas' mas se enganou. Admita.
- Eu disse exatamente o que queria dizer, monsenhor.
- Você errou.
- Não errei, iminência.
- Eminência! Eminência."
Por: Luis Fernando Veríssimo
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