Flávio Josefo, que viveu de 37 D.C. até o ano 100, de acordo
com os textos que chegaram até nós teria se referido a Jesus como o Cristo em
seu livro Antiguidades Judaicas, livro 18, parágrafos 63 e 64, escrito em 93 em
grego koiné:
"Havia neste tempo Jesus, um homem sábio [, se é lícito chamá-lo de homem, porque ele
foi o autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens
receberem a verdade com prazer]. Ele fez seguidores tanto entre os judeus
como entre os gentios.[Ele era o Cristo.]
E quando Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à
cruz, os que o amaram no princípio não o esqueceram; [ porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia; como os
divinos profetas tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas
a respeito dele]. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele,
não está extinta até hoje".
(Indicado em negrito possíveis interpolações).
O texto original em grego koiné:
Γίνεται δὲ κατὰ τοῦτον τὸν χρόνον Ἰησοῦς σοφὸς ἀνήρ, εἴγε ἄνδρα
αὐτὸν λέγειν χρή: ἦν γὰρ παραδόξων ἔργων ποιητής, διδάσκαλος ἀνθρώπων τῶν ἡδονῇ
τἀληθῆ δεχομένων, καὶ πολλοὺς μὲν Ἰουδαίους, πολλοὺς δὲ καὶ τοῦ Ἑλληνικοῦ ἐπηγάγετο:
ὁ χριστὸς οὗτος ἦν. καὶ αὐτὸν ἐνδείξει τῶν πρώτων ἀνδρῶν παρ᾽ ἡμῖν σταυρῷ ἐπιτετιμηκότος
Πιλάτου οὐκ ἐπαύσαντο οἱ τὸ πρῶτον ἀγαπήσαντες: ἐφάνη γὰρ αὐτοῖς τρίτην ἔχων ἡμέραν
πάλιν ζῶν τῶν θείων προφητῶν ταῦτά τε καὶ ἄλλα μυρία περὶ αὐτοῦ θαυμάσια εἰρηκότων.
εἰς ἔτι τε νῦν τῶν Χριστιανῶν ἀπὸ τοῦδε ὠνομασμένον οὐκ ἐπέλιπε τὸ φῦλον.
Argumentos contra a autenticidade do texto
Nenhum autor faz alusão ao texto antes de Eusébio de
Cesareia, (século IV), quando os escritos de Josefo vieram à luz através de
fontes cristãs.
Muitos historiadores modernos tem argumentado que a passagem
quebra a continuidade da narrativa e que são usadas palavras incomuns nos
textos de Josefo, por exemplo Emilio Bossi escreve o seguinte:
"Esta passagem, ou período, está como que a esmo, em
meio de um capítulo, sem conexão alguma com quanto a precede ou se lhe segue,
alinhavada, por assim dizer, na descrição de um castigo militar infligido à
populaça de Jerusalém e a dos amores de uma dama romana e de um homem que obtém
os seus favores, fazendo-se passar, graças aos sacerdotes de Isis, por uma
personificação do Deus Anúbis. Estes dois acontecimentos estão ligados pelo
mesmo historiador um com outro, porque ao relatar o segundo chama-o outro
acidente deplorável, de onde se depreende que esse outro acidente só pode
relacionar-se com o primeiro, isto é, com a sedição popular e a repressão que
se lhe seguiu".
A passagem também foi encontrada em um manuscrito da obra
anterior de Josefo: A Guerra dos Judeus, contudo é óbvio que se trata de uma falsificação.
Argumentos a favor da autenticidade do texto
O Testimonium Flavianum foi um texto muito respeitado até o
meados do século XVII, depois disso houve muita discussão se ele seria ou não
uma interpolação. Entretanto, a descoberta de novos manuscritos no século XX,
tem reforçado a credibilidade do texto.
Alice Whealey, por exemplo, apresentou um manuscrito do
século V que contém uma variante: "Ele era tido com sendo o Cristo"
(onde, nos outros manuscritos, está "Ele era o Cristo").
A real dificuldade em se acreditar no texto reside na sua
afirmação de que Jesus era o Cristo (ὁ χριστὸς οὗτος ἦν), já que Josefo era
judeu e esta afirmação parece fazer de Josefo um cristão. Entretanto, após
participar na rebelião contra os romanos e ver sua nação praticamente destruída
talvez, apenas no momento que escrevia, ele considerava a possibilidade de
Jesus ser de fato o Cristo. Quando ele escreve sobre João Batista, descreve o
modo de pensar dos judeus da época sobre derrotas militares e suas causas (ver
abaixo a secção João Batista).
Foi sugerido que o paragrafo quebra a continuidade da
narrativa, mas isto pode ser explicado pelo fato de Antiguidades Judaicas ter
sido escrito por numerosos escribas.
Contestações baseadas em análise lingüística também não se
mostraram conclusivas porque muitas outras passagens de Josefo contém
características incomuns.
Versão árabe
Em 1971, o professor Shlomo Pines publicou uma tradução de
um versão diferente desta passagem, citando um manuscrito árabe do século X.
Este manuscrito aparece no "Livro dos Títulos" escrito por Agapius,
um cristão árabe do século X e bispo melquita de Hierápolis. Agapius parece ter
citado de memória, pois até o título de Josefo é uma aproximação:
"Havia neste tempo um homem sábio chamado Jesus, e sua
conduta era boa, e ele era conhecido como sendo virtuoso. E muitas pessoas
entre os judeus e de outras nações se tornaram seus discípulos. Pilatus o
condenou a ser crucificado e à morte. E aqueles que tinham se tornado seus
discípulos não abandonaram sua lealdade a ele. Eles relataram que ele tinha
aparecido para eles três dias após a crucificação, e que ele estava vivo. Eles
acreditavam que ele era o Messias, a respeito de quem os profetas tinham
contado maravilhas."
Pines faz referência também à versão siríaca citada por
Miguel, o Sírio em seu Crônica Mundial. Alice Whealey apontou que o texto de
Miguel é idêntico ao de Jerônimo no ponto mais contencioso ("Ele era o
Cristo" aparecendo como "Ele era tido como sendo o Cristo"),
estabelecendo a existência de uma variante, já que escritores Latinos e
Siríacos não liam uns aos outros na Antiguidade.
Versão paleoeslava
Uma outra e interessante versão do "Testimonium"
foi encontrada em cinco fragmentos da "Guerra Judaica", numa tradução
para o Paleoeslavo, que remonta aos séculos XI-XII. Ainda que se trate,
evidentemente, de uma interpolação, posto que inexistente no original grego da
obra, não deixa de ser muito curioso o modo como o autor se vale de passos evangélicos
para compor uma história da prisão e condenação de Jesus absolutamente inédita.
Eis o texto:
"Apareceu então um homem, se é que podemos chamar-lhe
homem. A sua natureza e as atitudes exteriores eram humanas, mas a sua
aparência e as suas obras eram divinas. Os milagres que realizava eram grandes
e surpreendentes. Uns diziam dele 'É o nosso primeiro legislador que
ressuscitou dos mortos e dá provas de suas capacidades, operando muitas curas´.
Outros julgavam-no enviado por Deus. Opunha-se em muitas coisas à Lei e não
observava o sábado, segundo o costume dos antepassados; todavia, não fazia nada
de impuro, nem nenhum trabalho manual, dispondo apenas da palavra. Muitos entre
a multidão o seguiam e escutavam seus ensinamentos; os espíritos de muitos se
agitavam pensando que, graças a ele, as tribos de Israel se libertariam do jugo
romano. Costumava estar, de preferência, em frente da cidade, no monte das
Oliveiras. Vendo a sua força e que, com as palavras, fazia tudo o que queria,
pediram-lhe para entrar na cidade, massacrar as tropas romanas e Pilatos, e
passar a governá-los. Mas ele não lhes dava ouvidos. Mais tarde, os chefes dos
hebreus vieram a saber de tudo aquilo, reuniram-se com o Grande Sacerdote e
disseram: ´ Somos impotentes e fracos para resistirmos aos romanos, como um
arco frouxo. Vamos dizer a Pilatos o que ouvimos e não teremos aborrecimentos´.
E foram falar dele a Pilatos. Este enviou homens, mandou matar muitos entre a
multidão e prendeu o doutor de milagres. Informou-se melhor sobre ele e vendo
que fazia o bem, e não o mal, que não era rico, nem ávido de poder real,
libertou-o; de fato, tinha curado a sua mulher, que estava moribunda. E
regressado ao local habitual, retomou o cumprimento de suas obras, e novamente
um número maior de pessoas se aglomerou em torno dele. Os doutores da Lei,
feridos pela inveja, deram trinta talentos a Pilatos, para que o mandasse
matar. Este aceitou-os e deu-lhes autoridade para serem eles próprios a fazer o
que desejavam. Desse modo, apossaram-se dele e o crucificaram, apesar da lei
dos antepassados."
Outros textos de Josefo sobre Jesus e João Batista
Tiago, irmão de Jesus
Menos polêmica do que o Testimonium é esta passagem em que
Flávio Josefo também cita Jesus, mas sem parecer crer nele como o Messias. Ela
aparece já no final das Antiguidades Judaicas, quando Josefo descreveu a
situação política da Judeia na década de 60.
"E agora César, tendo ouvido sobre a morte de Festus,
enviou Albinus à Judeia, como procurador. Mas o rei privou José do sumo
sacerdócio, e outorgou a sucessão desta dignidade ao filho de Ananus [ou
Ananias], que também se chamava Ananus. Agora as notícias dizem que este Ananus
mais velho provou ser um homem afortunado; porque ele tinha cinco filhos que
tinham todos atuado como sumo sacerdote de Deus, e que tinha ele mesmo tido
esta dignidade por muito tempo antes, o que nunca tinha acontecido com nenhum
outro dos nossos sumos sacerdotes. Mas este Ananus mais jovem, que, como já
dissemos, assumiu o sumo sacerdócio, era um homem temperamental e muito
insolente; ele era também da seita dos Saduceus, que são muito rígidos ao julgar
ofensores, mais do que todos os outros judeus, como já tinhamos dito
anteriormente; quando, portanto, Ananus supôs que tinha agora uma boa
oportunidade: Festus estava morto, e Albinus estava viajando; assim ele reuniu
o sinédrio dos juízes, e trouxe diante dele o irmão de Jesus, o que era chamado
Cristo, cujo nome era Tiago e alguns outros; e quando ele formalizou uma
acusação contra eles como infratores da lei; ele os entregou para serem
apedrejados; mas para aqueles que pareciam ser os mais equânimes entre os
cidadãos, e igualmente mais precisos quanto as leis, eles não gostaram do que
foi feito; eles também enviaram ao rei (Herodes Agripa II); pedindo que ele
ordenasse a Ananus que não agisse assim novamente, porque isto que ele tinha
feito não se justificava; alguns deles foram também ao encontro de Albinus, que
estava na estrada retornando de Alexandria, e informaram a ele que era ilegal
para Ananus reunir o sinédrio sem o seu consentimento. Albinus concordou com
eles e escreveu iradamente a Ananus, e o ameaçou dizendo que ele seria punido
pelo que havia feito; por causa disso, o rei Agripa tirou o sumo sacerdócio
dele, quando ele o tinha exercido por apenas três meses, e fez Jesus, filho de
Damneus, sumo sacerdote."
João Batista
Ainda no livro 18 do Antiguidades Judaicas, Josefo descreveu
o reinado de Herodes Antipas e informou que este era casado com a filha de
Aretas, um rei árabe vizinho com quem já tivera disputas territoriais. Antipas
repudia a filha de Aretas para se casar com Herodias, mulher de seu meio-irmão.
Valendo-se do pretexto, Aretas faz guerra a Herodes que tem seu exército
destruído e a derrota seria certa se não fosse a intervenção romana.
"Mas para alguns judeus a destruição do exército de
Herodes pareceu ser vingança divina, e certamente uma justa vingança, pelo
tratamento dado a João, de sobrenome Batista. Porque Herodes o tinha condenado
à morte, mesmo ele tendo sido um homem bom e tendo exortado os judeus a levar
uma vida correta, praticar a justiça para com o próximo e a viver piamente
diante de Deus, e fazendo isto se batizar.[...] Quando outros também se
juntaram à multidão em torno dele, pelo fato de que eles eram agitados ao
máximo pelos seus sermões, Herodes ficou alarmado. Eloqüência com tão grande
efeito sobre os homens pode levar a alguma forma de sedição. Porque dava a
impressão de que eles eram liderados por João em tudo que faziam. Herodes
decidiu então que seria melhor atacar antes.[...] De qualquer forma João, por
causa da suspeita de Herodes, foi trazido acorrentado à Machaerus, a fortaleza
de que falamos antes, e lá executado, contudo o veredito dos Judeus era de que
a destruição que visitou o exército de Herodes era vingança de João, que Deus
achou por bem infligir este castigo à Herodes”.
Bibliografia
Flávio Josefo, Seleções de Flávio Josefo, Editora das
Américas, 1974, tradução de P. Vicente Pedroso.
Maria Antónia Costa Pereira - REVISTA LUSÓFONA DE CIÊNCIA
DAS RELIGIÕES – Ano III, 2004 / n.º 5/6 – 191-199
James
Carleton Paget, Some Observations on Josephus and Christianity, Journal of
Theological Studies 52.2 (2001) pp. 539–624. Uma resenha sobre todas as
teorias relativas, estudiosos e evidências.
Shlomo
Pines, An Arabic Version of the Testimonium Flavianum and its Implications,
(Jerusalém: Israel Academy of Sciences and Humanities, 1971)
Alice
Whealey, Josephus on Jesus: The Testimonium Flavianum Controversy from Late
Antiquity to Modern Times, Peter Lang Publishing (2003). Como o TF tem
sido visto por séculos.
Ambrogio Donini, "História do Cristianismo",
Lisboa, Edições 70, s/d
Fonte: Wikipédia